DIREÇÃO DE PRODUÇÃO: MANOEL BARENBEIN – ARRANJOS: JULIO MEDAGLIA – LAYOUT: ROGÉRIO DUARTE – FOTO: DAVID DREW ZINGG – ARTE-FINAL: LIANA E PAULO TAVARES

Um ano depois de dividir com a também novata Gal Costa o LP Domingo (Philips, 1967), totalmente inspirado na estética cool da bossa nova, Caetano Veloso mandou um recado ambíguo na contracapa de seu primeiro álbum solo. "Os acordes dissonantes já não bastam para cobrir nossas vergonhas, nossa nudez transatlântica. E, no entanto, Ele é um gênio: quem ousaria dedicar este disco a João Gilberto?", escreveu, reverenciando o pai da bossa nova, seu grande mestre e inspirador, mas sugerindo que a bossa já perdera seu vigor criativo. O cantor e compositor - baiano de Santo Amaro da Purificação, nascido em 1942 - não falara apenas por si. Naquele momento, já era um dos líderes da Tropicália, o movimento de intervenção cultural do qual também faziam parte os compositores Gilberto Gil e Tom Zé, os poetas Capinan e Torquato Neto, as cantoras Gal Costa e Nara Leão, o maestro Rogério Duprat, a banda Os Mutantes e o artista gráfico Rogério Duarte, entre outros. Gravado nos últimos meses de 1967, simultaneamente às primeiras discussões do movimento, o álbum se abre com Tropicália ("Eu organizo o movimento/ Eu oriento o carnaval/ Eu inauguro o monumento/ No Planalto Central do país"), canção que Caetano compôs como uma espécie de manifesto, realçado pelo expressivo arranjo para orquestra de Júlio Medaglia. As faixas restantes refletem, de modo geral, a eclética plataforma musical da Tropicália, que até por princípio apoiava gêneros rejeitados pela então hegemônica canção de protesto derivada da bossa nova. Assim como injetou guitarras elétricas na marcha Alegria, alegria, que lançara as primeiras sementes tropicalistas no Festival de MPB da TV Record (em outubro de 1967), Caetano volta a mergulhar em imagens da cultura pop, na dançante Superbacana ("A moeda n^o 1 do Tio Patinhas/ Não é minha/ Um batalhão de cowboys/ Barra a entrada da legião dos super-heróis"). Composta logo após a veiculação da notícia do assassinato do revolucionário Che Guevara, a estilizada tumba Soy loco por ti, América (Gilberto Gil/ Capinan) inclui no arranjo sons de teclados típicos de churrascaria. Outra faixa que envereda pelo gosto duvidoso, propositalmente, é Onde andarás (de Caetano e Ferreira Gullar), com ritmo que oscila entre o bolero e o samba-canção. Caetano brinca nos vocais ("Eu sei, meu endereço apagaste do teu coração/A cigarra do apartamento/O chão de cimento existem em vâo"), decalcando a pronúncia empolada de cantores da velha guarda. A atitude crítica da Tropicália não impedia seus adeptos de se divertirem no trabalho. Muito pelo contrário. (C.C.)

[da: “300 DISCOS IMPORTANTES DA MÚSICA BRASILEIRA”, pag 81]