Drama - Anjo exterminado

Maria Bethânia

PHILIPS (1972)

PRODUÇÃO: CAETANO VELOSO – FOTO: LUCINDA RATO – CAPA: EDINÍZIO RIBEIRO

 

 

Descoberta em Salvador numa viagem de Nara Leão, que a indicou como substituta quando teve de sair do show Opinião por motivos de saúde, a baiana de Santo Amaro da Purificação Maria Bethânia (Viana Teles Veloso) saiu-se muito melhor que a encomenda. Suplantou a antecessora na interpretação voraz do Carcará central da peça, enveredou por um repertório que revisava Noel Rosa num estilo seco, pós-Aracy de Almeida, além de incendiar o ambiente politizado do meio dos 1960 com chicotadas como Eu vivo num tempo de guerra (Edu Lobo/ Guarnieri) e Viramundo (Gilberto Gil/ Capinan). Mas a cantora que antecipou o resgate tropicalista do brega ao incorporar o bolerão Lama, fisgado do repertório da obscura Linda Rodrigues, de 1952, acabou criando um estilo que alicerçaria sua carreira longeva e brilhante de diva.

Tanto o título como o clima deste incandescente Drama - Anjo exterminado, dirigido pelo mano Caetano Veloso, com arranjos de Perinho Albuquerque, o definem com precisão. "Drama significava teatro em Santo Amaro", explicou ela ao historiador Rodrigo Faour, que produziu a reedição completa de sua obra, em 2006. A afinidade entre os palcos da faixa-título, de Caetano ("Eu minto/ Mas minha voz não mente (...)/ E no fim de cada ato/ Limpo num pano de prato/ As mãos sujas do sangue das canções"), O circo ("Sou acrobata na raça/ Só não posso é ser palhaço/ Porque eu vivo sem graça"), de Batatinha, e o Trampolim ("O amor não é mais do que o ato/ Da gente ficar/ No ar, antes de mergulhar"), rara parceria dos irmãos Veloso, sedimenta o conceito. Gravado durante o Negror dos tempos (Caetano) da ditadura ("Sou eu que não tenho medo", avisa o Ponto da abertura), é um disco alinhado com sua época farpada. Flutua entre a "morbeza romântica" da dupla Jards Macalé e Waly Salomão (Anjo exterminado), o noviço blues estasiano de Luiz Melodia (Estácio, Holly Estácio), o flagelo/libelo feminino de Caetano (Esse cara) e o ritualístico lansã, parceria dele com Gil. Mas também abre a cortina do passado, das canções sussurradas pela era do rádio, como Bom dia, de Herivelto Martins e Aldo Cabral (gravado por Linda Batista em 1942), Bodas de prata, de Roberto Martins e Mario Rossi (Carlos Galhardo, 1945) e uma Volta por cima, de Paulo Vanzolini (Noite Ilustrada, 1962), turbinada por guitarras. Cabe até um fado do repertório de Amália Rodrigues desidratado (Maldição). Bem ao sabor de Maria Bethânia, a Abelha Rainha cujo mel envolve as canções alheias numa teia própria e indissociável. (T.S.)


[da: “300 DISCOS IMPORTANTES DA MÚSICA BRASILEIRA”, pag 243]