Transa

Caetano Veloso

PHILIPS (1972)

PRODUÇÃO: RALPH MACE – PROJETO GRÁFICO: ALDO LUIZ – FOTOS: DECA, RICARDO LISBOA E E JOCA GONÇALVES

 

 

Sustentáculo do espírito tropicalista, ao lado de Gal Costa ante o exílio dos líderes do movimento, Caetano Veloso e Gilberto Gil, Jards Macalé tinha soltado os morcegos em Gotham City (parceria com Capinan), metido num fantasmagórico camisolão, no Festival da Canção, no final de 1969, assolado por vaias. De Londres, recebeu uma carta convocação de Caetano Veloso. Iria juntar-se a Tuti Moreno (bateria) e Áureo de Souza (percussão), que já estavam lá, e Moacir Albuquerque, baixista, irmão de Perinho, também importado por carta, da Bahia. Formava-se o grupo que iria gravar (sem que os nomes de seus integrantes constassem da ficha técnica) este emblemático Transa. A palavra-valise do título (gíria genérica, recém-implantada) marcava a transição do retornado, que já faria um show de lançamento, em 1972, num Teatro João Caetano superlotado, no Rio. O produtor, o inglês Ralph Mace, esperava uma decolagem da carreira do baiano em terras inglesas, que ainda não acontecera. Isso a despeito do denso disco do ano anterior, o do longo improviso mastigado de Asa branca, London London, Maria Bethânia e lf you hold a stone, produzido por Lou Reizner e o mesmo Mace para a Famous/GW. E nunca aconteceria, porque Caetano estava de volta. Este era o disco da travessia.

Com violão e arranjos de Macalé, o LP original vinha envolto numa capa desdobrável de "discobjeto", idealizada pelo produtor baiano Álvaro Guimarães, o Alvinho. Ele descobrira em Caetano um ser musical, encomendando-lhe a trilha para uma peça no começo dos 1960. Dez anos depois, Caetano passaria a pontificar como um oráculo de geração, questionador dialético e, paradoxalmente, criador de modismos. Nas colagens do repertório, no qual o inglês do exílio ainda predomina, infiltram-se ecos da bossa de Carlos Lyra (Maria Moita, com Vinicius de Moraes), Edu Lobo (Reza, com Ruy Guerra) e de Luiz Gonzaga (Hora do adeus, de Onildo Almeida e Luiz Queiroga). O precursor da nordestinidade Zé do Norte, da trilha de O cangaceiro, de Lima Barreto, tem parte de Sodade meu bem sodade em lt's a long way, junto com Lagoa do Abaeté (Dorival Caymmi), Consolação (Baden Powell/ Vinicius de Moraes) e a beatle The long and winding road. De alguma forma, Caetano prenunciava a utilização incorporadora do sampler. Relia com alta voltagem Mora na filosofia (Monsueto/Arnaldo Passos, do carnaval de 1955), acoplava sambas-de-roda do Recôncavo à antiode Triste Bahia, que musicou do poeta Gregório de Matos Guerra (1623-1696). E, de quebra, imprimia em Nine out of ten um ritmo captado em suas andanças por Portobello Road. Era "apenas" o reggae. (T.S.)


[da: “300 DISCOS IMPORTANTES DA MÚSICA BRASILEIRA", pag 181]