CAETANO VELOSO (1967)

Quando eu estava preparando meu segundo LP (aquele para o qual Rogério Duarte fez uma capa com mulher e dragão e retrato oval), escrevi um texto prafrentex para a contracapa. Durante o período de gravações, recebi em São Paulo a visita de Fernando Lôbo (autor de ‘Chuvas de Verão’, música que vim a gravar algum tempo depois na cidade de Salvador, onde gozei grilado quatro meses de confinamento). Era uma visita profissional; ele vinha buscar o texto da contracapa e marcou, pelo telefone, um encontro no Patachou pedindo que eu o levasse. Eu disse OK mas não achei o texto na hora de sair nem nunca mais. À mesa do restaurante, eu informei Fernando da perda e ele me informou da necessidade de voltar na manhã seguinte para o Rio com tudo pronto para imprimir a contracapa: caso contrário o disco atrasaria um mês. Como eu preferia que o disco saísse péssimo do que atrasado, concordei em aceitar o papel e a caneta que ele me oferecia enquanto me ameaçava com a terrível informação. Reescrevi ali mesmo o babado todo que eu pensava ter esquecido. Enquanto eu trabalhava, as pessoas conversavam. Inclusive comigo. "Eu gostaria de fazer", eu ia tentando lembrar, "uma canção de protestos de estima e consideração, mas esta língua portuguesa me deixa louco" eu escrevi e imediatamente percebi que não tinha escrito "rouco" como da primeira versão. Cortei "louco" e escrevi "rouco" em seguida. Não sei se foi isso que deu a Fernando a idéia de reproduzir meu manuscrito na contracapa do disco ou se ele já havia falado nisso antes. Só sei que concordei com essa idéia para não dificultar as coisas: na época eu teria preferido que o texto saísse datilografado; algum tempo depois eu preferiria impresso mesmo; hoje, não sei. De qualquer forma, eu gostava da piada. Não tanto da que resultou do erro, mas da piada original. Por nada: apenas porque dizer que a língua portuguesa me deixa rouco era verdade, enquanto que dizer que a mesma me deixa louco dava a impressão de que eu tinha em mente ressaltar mais uma vez o fato de nós falarmos e escrevermos numa língua não exportável. Quando, na verdade, eu não estava, sentindo nada disso. Pelo contrário: estava alegríssimo, compondo desbragadamente, sem sonhar com exportação.

[Caetano Veloso em texto para O Pasquim - 26/03 a 01/04/70]