AONDE VAI CAETANO VELOSO COM A TROPICÁLIA ?

 

«O importante mesmo é não deixar morrer a paixão pelo nôvo, pois somente ela pode renovar os conceitos, as estruturas e a sociedade .» Caetano Veloso, que já foi apenas o irmão de Maria Betânia e que começou na música fazendo cantigas de roda, está hoje na vanguarda da música popular brasileira, como o líder de uma juventude que procura novos caminhos. Para êle, a única coisa que interessa é a renovação, mesmo se esta renovação chocar o público, pois “o que eu quero é chegar a um ponto de cultura que eu possa fazer com que minha música deixe exposta a minha visão do mundo”. A nova fase de Caetano começou com Alegria, Alegria (mais de 100 mil discos vendido), vindo depois Soy Loco por Ti América, música que tem vários significados para muitos, mas que para êle “é apenas uma rumba dançante, muito alegre”. Seu último sucesso, Tropicália, surge como um hino de uma nova tendência da cultura brasileira – o tropicalismo – que pretende mostrar “o Brasil real e meio cafona, sem esconder nada e sem ter o menor compromisso com as tradições”. Vestido como um africano, ou todo de branco, com uma flor na lapela e um enorme chapéu de palhinha, Caetano Veloso vai falando de suas ideias, de sua música, de sua paixão de fazer alguma coisa que signifique renovação para o homem.

1 O QUE VOCÊ PRETENDE COM ESTAS ROUPAS QUE ESTA USANDO: LANÇAR MODA OU REFORMAR COSTUMES?

Não estou lançando moda e nem reformando costumes. Na verdade. o que eu pretendia era apenas fazer uma brincadeira com os amigos âs vezes me vestindo de africano e outras vezes todo de branco. chapelão e flor na lapela. Algumas pessoas tentaram fazer uma relação entre minhas roupas e minha música Tropicália. Entretanto, originalmente uma nada tinha a ver com a outra. Também não pretendo fazer gozação, pois essa roupa é uma lembrança dos velhos fazendeiros e talvez seja a maneira correta de so trajar nos trópicos. Mas nada disso tem muita importância. pois, para mim. o que realmente interessa ê a Tropicàlia, a melhor cisa em matéria de música que fiz até agora. porque é um rompimento.

2 VOCÊ DIZ QUE TROPICAL1A É UM ROMPIMENTO. PODE EXPLICAR MELHOR COM O QUE?

Com uma ala da música brasileira que tinha uma impostação de seriedade mas que era, na realidade, um respeito obrigatório a certos conhecimentos primários do universo jazzístico americano, na música e na letra: um respeito a conceitos também primários de pensamentos políticos. Por isso. éles faziam músiica que tinha um tipo de comunicação fechada que de xave de ser uma comunicação cultural para ser uma espécie dn papo entre algumas pessoas que já sabiam daquilo. Então. para que uma música fosse eleita por esta elite intelectual precisava de dois passaportes: o jazz e o esquerdismo. Era preciso semore dizer aquelas coisas e lazer aqueles acordes - assim ficamos muito tempo nessa fase, apesar do taleno de muitos artistas.. Agora faço uma autocrítica, mas o que havia naquele tempo era um equivoco generalizado.

3 E EM QUE VOCES SE ENGANARAM? APROFUNDE UM POUCO MELHOR A SUA AUTOCRÍTICA.

É que enquanto muitos ficavam presos aqueles conceitos. Roberto Carlos tazia músicas lindas, quo pediam vender o que estavam ligadas a movimentos internacionais. E a descontração que surgiu da explosão da jovem guarda foi o grande acontecimento cultural no Brasil, depois da bossa nova. Eu sei que muita gente vai estranhar o que eu disse agora, mas se me perguntarem quem é mais cultura Chacrnha ou Flávio Cavaicânti. eu digo que é, evidente, o Chacrinha.

4 V0CÊ TEM REPETIDO COM FREQÜÊNCIA A SUA ADMIRAÇÃO PELOS PROGRAMAS DO CHACRINHA. PORQUÊ?

Acho o programa do Chacrinha magnifico. Para mim, o programa de!e tem uma unidade de gôsto tão grande que até o termo mau-gosto torna-se desnecessário Mau-gosto e bom-gosto. isto é uma questão de época. A diferença é que o bom-gosto está sempre um pouquinho atrasado. sempre sòbre o já estabelecido. Bom-gosto é o resultado geral do que já aconteceu. Bom-gósto nunca foi apficado ao que nascia. Por exemplo o impressionismo não foi bom-gosto quando surgiu. É por isso, só depois, quando o impressionismo passou a ser bom-gosto. que Van Gogh foi considerado de bom-gosto. Eu acho o Chacrinha uma íórça cultural. O programa dêle nunca é um quietismo. Êle sempre renova a sua comunicação com o público.

5 E SUA MÚSICA, CAMINHA EM QUAL DIREÇÃO? ELA ESTA DENTRO DE ALGUMA TENDÊNCIA MODERNA?

Não sei para onde ela vai, mas sinto que minha música camnna na mesma linha de O Rei da Vela, e Roda Viva e, talvez. o programa do Chacrinha. É qualquer cosa que choca, que agride. Quero chegar a um ponto de cultura em que eu possa fazer com que a minha música deixe exposta a minha visão do mundo, longe daquela fase que chamávamos de nacionalista. mas que era, na verdade, um fantasma que substitua certos desesperos de comunicação. Agora quem briga pela pureza da nossa música, a tavor do nacionalismo, o que tem realmento é médo. médo do novo.

6 VOCÊ SE INCOMODA COM A OPINIÃO ALHEIA? OU NÃO DA A MÍNIMA IMPORTÂNCIA?

Espero pelo menos me incomodar me nos que a maioria das pessoas. O que eu quero, agora, é romper com o clima cultural criado pelos dragões da independência da música brasileira. porque é um clima falso, no qual todos têm medo de falar de iê-iê-iê e ficam falando o tempo todo de samba do morro. Isso é um papo furado tremendo. Nos vivemos numa época em que é impossível desconhecer o que só passa no mundo em matéria de música, quanto mais ignorar o gôsto do povo.

7 VOCE GOSTA OA MÚSICA DOS OUTROS? DIGA QUAIS SÀO OS COMPOSITORES QUE MAIS APRECIA.

gôsto muito. Acho que muitos compositores como o Edu, o Gil, sâo gemais. A música do Chico é excepcional, mas muitos reacionários. usam a música dêle para tentar parar o mundo.

8 COMO VAI O SEU CASAMENTO. CAETANO? AJUDOU OU ATRAPALHOU A SUA CARREIRA MUSICAL?

Está ôtimo. tudo maravilhoso Estou achardo sensacional morar com alguém. Além disso. a presença de Dedê ajuda a minha música.

9 DESDE QUE ALCANÇOU O SUCESSO. TEM SE PREOCUPADO EM ESTAR SEMPRE NA VANGUARDA?

De certa forma, sim. Isso porque eu tenho uma paixão pelo nôvo e quase certeza de que o público jovem tem essa mesma paixão. Aliás. eu queria dizer uma coisa muito séria aos jovens brasileiros. Esteja eu onde estiver, em qualquer posição que eles não esqueçam de se preocupar com o nôvo, não deixem o arco afrouxar. É preciso trazer sempre alguma coisa nova para o público. E nisso eu não estou sôzinho. Glauber está fazendo isso no cinema, o José Celso faz o mesmo no teatro. Quando vi O Rei da Vela encontrei tudo aquilo que eu também estava tentando mostrar. O Brasil mais sujo, mais real, um tanto cafona mesmo, uma face real da cultura brasileira. E isso os jovens não devem deixar morrer. Veja, o pessoal do Museu da Imagem e do Som nao aprovou um depoimento do Roberto Carlos lá. Acontece que o Roberto é uma coisa viva, não precisa de museu. O Museu da Imagem e do Som é uma instituição mas deve funcionar bem sem preconceitos. Deve ter de tudo e não apenas o que êles consideram puro. porque essa pureza é um médo. Médo do nôvo como visâo e médo do total como real. O Teixerinha por exemplo, foi quem mais vendeu disco no Brasil e por isso o museu deveria ter depoimento e um disco dêle gravados. Se alguém quiser falar em Brasil, que fale néle como um todo. como uma nação. Acho que é preciso mudar e começar a mostrar a realidade.

10 A ARTE (E SUA ARTE PARTICULARMENTE) PODE MUDAR ALGUMA COISA DA REALIDADE?

Ela pode contribuir para se criar uma nova visão das coisas. Mas uma música não transforma o mundo. Muitas vèzes os artistas são as antenas dos movimentos sociais e políticos. Entretanto, isso não quer dizer que uma música deve ter obrigatònamente uma mensagem política. Outro dia, um amigo meu me disse. « Olha. cu aceito seu disco porqué numa das músicas tem uma citação de Guevera. » Acontece que minha música não tem nenhuma citação de Guevara. Ela é apenas uma rumba dançante, muito alegre. E é só isso que me interessa. Afinal a música vale pela sua quahdade e não pelo pensamento politico do artista. Uma música pode fazer uma revoiução cultural, mas eu acho a única coisa concreta, física, objetiva que uma pessoa pode fazer com uma música é dançar


[fonte: FATOS E FOTOS, Brasilia, 14 de março de 1968, Año VII – no371]