CAETANO VELOSO - TRANSA (1972)

Recensione di Bia Abramo

 

 

No fim da década de 60, a música brasileira passava por um impasse. A força inovadora da bossa nova — a possibilidade de se fazer uma leitura sofisticada e universal do samba -- já havia passado do auge. Os continuadores da bossa nova descambavam para a chamada "mùsica de protesto". Na vertente oposta, a versão local do "iê-iê-iê'', a jovem guarda não primava pela criatividade. A Tropicália implodiu a questão quando fez a ponte entre essas duas atitudes aparentemente inconciliáveis. A liberdade formal do tropicalismo foi um sopro de novidade. Se estendia desde a escolha dos ingredientes de sua geléia geral ― de Vicente Celestino aos Beatles, passando (claro) por João Gilberto,― até roupas e capas de disco, fortemente influenciadas pelo psicodelismo.

Transa é o segundo LP do Caetano Veloso pós-tropicalista e o primeiro depois de seu exílio em Londres. Se o tropicalismo foi uma resposta pop aos tradicionalistas da MPB, Transa é uma espécie de reflexão em tons cinzentos sobre esse período. Na edição original era um disco-objeto: a capa se dobrava de maneira a formar um poliedro triangular. Foi produzido por. Ralph Mace, o inglês que já havia produzido em Londres o seu disco anterior (Caetano Veloso, de 1971).

Transa é um disco bilingüe. Não só pelo fato de ser cantado em inglês e português, mas por transitar em duas linguagens musicais: o rock e a MPB. Mesmo recheado de referências e citações dos Beatles ("Woke up this morning/ singing an old beatle song", em "It's a Long Way") e da bossa nova (trecho de "Chega de Saudadesh que Gal canta em "You Don't Know Me"), ele declara sua independência de compromissos com qualquer forma de fazer música. Afinal, é come diz uma das mais belas cancões do disco, "Nine Out of Ten (onde pela primeira vez ouvimos falar em reggae): “the age of music is past”.

Assim, cancões com uma estrutura mais convencional convivem neste disco com faixas como "Triste Bahia", um longo diálogo entre baixo e berimbau com trechos de um poema do poeta baiano oitocentista Gregório de Mattos ("Triste Bahia/ oh, quão dessemelhante/ estais e estou no mesmo antigo estado/ a ti tocou-te a máquina mercante/ que em tua larga barra tem entrado") e de cantos de capoeira e afoxé ― mais de seis minutos de uma longa litania que acaba num crescendo angustioso. Ou então uma linda versão de "Mora na Filosofia", de Monsueto, com um brilhante arranjo que alterna momentos de economia — apenas baixo, violão e voz — com climaxes ("Pra que rimar amor com dor") com a percussão. Aqui, Caetano repete uma ideia utilizada no tropicalismo: a de recuperar pérolas esquecidas da MPB, rearranjadas de forma moderna e as vezes bastante inusitada — coisa que irá repetir ao longo de sua carreira.

As letras falam o tempo todo de desterro — não o que ele viveu realmente, mas uma espécie de desterro tanto em relação à cultura brasileira quanto em relação à cultura pop. Começa com "You Don't Know Me" (em que Caetano faz um trocadilho com at all e Apple, a gravadora dos Beatles). Daí vem “I'm alive/ vivo/ muito vivo" — corn o duplo sentido de "I'm alive/ I'm a lie” — para concluir depois: "That's what rock and roll is all about”, sempre invadidos per trechos de cancões folclóricas e tradicionais.

Transa é um exemplo de como podem ser inteligentemente trabalhadas as referências folclóricas e as cosmopolitas, o simples e o sofisticado. O resultado é o melhor disco de Caeta­no Veloso — que. apesar dos Meninos do Rio e outras babas afins posteriores, já teve momentos realmente brilhantes como compositor e letrista. E uma dica para quem tem uma vontade com a música brasileira.


Revista BIZZ