Caetano Veloso (1969)

texto de Caetano Veloso

Esse disco — de capa branca e com a minha assinatura no meio — foi feito quando eu já estava preso. Não estava mais na cadeia, mas confinado em Salvador, praticamente preso na cidade, porque dela não podia sair, tinha que me apresentar todos as dias ao coronel Luz Artur e assinar em um caderno. Isso durou quatro meses, até que nos mandaram para Londres.

Boa parte das cancões desse disco, Irene inclusive, foi composta na prisão. Salvador só tinha um estudiozinho de dos canais, o JS. Fiz o disco sozinho, com o Gil tocando violão. Em nenhum dos discos de que já falei eu toco violão, o que só vem a acontecer no disco feito em Londres, porque nessa época o meu violão era considerado abaixo do nível profissional. Só que lá aconteceu exatamente o contrário, os produtores acharam que eu tocava muito bem. Mandamos a fita para São Paulo e o Rogério completou o trabalho, com o Leny tocando guitarra.

Quando esse long-play saiu, eu já estava em Londres. Fiquei sabendo que a gravação que fiz de Carolina, de Chico Buarque, rendeu muita discussão. Dei uma interpretação dolorida e Carolina ficou como uma personagem ingênua, com sotaque baiano — eu me inspirei em uma caloura que vi cantando em um programa de televisão em Salvador. E aí falaram que era um desrespeito ao Chico. Não era nem uma das músicas preferidas do Chico, mas nem a escolhi como se estivesse escolhendo uma canção do Chico para cantar a sério, entre as melhores dele. Eu a vi também em um disco que Agnaldo Rayol gravou em homenagem ao presidente Costa e Silva, As favoritas do presidente, entendeu? A cantei porque representava uma expressão de outras coisas que nós, tropicalistas, gostávamos. Nossa vertente era oposta à vertente oficial da MPB — e o Chico era o rei total da MPB de boa qualidade. A interpretação dessa canção para mim, na verdade, era o fundo da tristeza brasileira. Então, pensei: "Tenho que reproduzir isso num disco." Mas eu soube, que o próprio Chico não gostou e disse isso no jornal O Pasquim.


depoimento de Caetano Veloso a Charles Gavin r Luís Pimentel em TANTAS CANÇÕES (livro da Caixa TODO CAETANO 2002), pagg. 30-31