DOMINGO (1967)

texto de Caetano Veloso

Olhando a foto de capa desse disco, meu primeiro long-play, não posso deixar de pensar em como eu era bonitinho. Fiz esse disco em 1967, com a Gal Costa, e não tenho muitas informações, porque nessa época não havia a pratica de se colocar nos discos os nomes dos arranjadores, dos músicos etc. Lembro que foi produzido pelo Dori Caymmi, que também arranjou algumas faixas, dividindo o trabalho com Francis Hime e com Roberto Menescal.

Domingo foi muito bem recebido pelo pessoal da bossa nova. Edu, Wanda Sá, Francis Hime, todo mundo adorou. Seguramente porque foi mesmo o disco mais joãogilbertiano, desde João Gilberto. Porque os outros haviam tornado outros caminhos: Edu Lobo criou um negocio diferente, que era muito mais extrovertido do que a coisa do João, voltado para aspectos mais épicos da cancão, para os modos nordestinos de uma maneira mais grandiloqüente. Enquanto isso, o pessoal do Beco das Garrafas volta-se para um jazzismo pre-cool e pre-João Gilberto, com muita improvisação e um sotaque americanizado que o João não tinha.

Coração vagabundo, Candelas e Onde eu nasci passa um rio foram arranjadas por Dori. Avarandado, Quem me dera e Minha Senhora, por Francis. Domingo, por Roberto Menescal. Foi gravado no Rio, em um estúdio na Avenida Rio Branco. Foi feito por insistência da gravadora, porque quando isso aconteceu minha cabeça já estava em outra. Implico um pouco com o meu cantar nesse disco. Aliás, implico com meu cantar em vários discos meus. Domingo foi feito em uma época em que ainda se tratava de cantar bonito. Isso foi derrubado quando começou o tropicalismo, onde o que interessava era criar situações explosivas. Mas o Tom Jobim me disse diversas vezes que achava minha interpretação de Coração vagabundo de primeiríssimo nível. "Você canta essa canção como um grande cantor", ele dizia. Mas eu não estava satisfeito. Às vezes, em casa, fazia melhor, sabia que podia fazer melhor. Tinha que ser mais perto do Chet Baker. Infelizmente, o disco foi todo gravado de manhã, hora ruim para cantores. Deveria ter sido gravado a noite.

Quero deixar registrado que esse disco se deve ao então diretor artístico da gravadora, João Araújo. Foi ele quem fez com que Domingo existisse. Os superiores dele não queriam me contratar, nem queriam contratar a Gal. não achavam que fossemos interessantes o suficiente. O João é que teve a ideia de fazer o disco com os dois juntos, coma uma tentativa de tornar a ideia viável e possível.


depoimento de Caetano Veloso a Charles Gavin r Luís Pimentel em TANTAS CANÇÕES (livro da Caixa TODO CAETANO (2002)), pag. 20