Transa (1972)

texto de Caetano Veloso

Gravado ainda em Londres, esse disco teve a capa criada par Álvaro Guimarães, ator e diretor de teatro, baiano, muito meu amigo e que nunca tinha feito capa de discos. Alvinho Guimarães é o responsável por eu estar fazendo música até hoje. Ele queria que eu fizesse músicas para uma peça de teatro que estava dirigindo, apesar de que jamais me vira tocar nem cantar. Apenas conhecia minhas opiniões sabre música popular e achava que eu deveria compor. Terminei fazendo as músicas para a peça, depois musiquei também um documentário que ele fez, em 1963, sobre meninos de rua, e fui em frente. Influenciou também o começo da carreira de Bethânia, que queria ser atriz e ele a colocou em peça cantando, ela impressionou todo mundo e começou a cantar.

Eu estava ainda em Londres, quando o Álvaro apresentou à Phonogram esse projeto de capa, ousado, com esse vermelho e preto e essas letras grandes, esse "Cai" (curiosamente com "i" e não com "e", Cae, como me chamam os amigos) para baixo, com as setas para cima. Ficou engraçada e eu a acho muito bonita. Faltam nesse disco, que é um de meus favoritos, informações sobre os músicos. A banda que tocou comigo definia muito a força do disco: Jards Macalé (violão e arranjos), Áureo de Souza, Tutty Moreno (todos dois bateristas) e Moacyr Albuquerque (contrabaixista) irmão do arranjador Perinho Albuquerque, e já falecido. Foi gravado em pouco tempo, produzido pelo Morris Hills. Ensaiamos, entramos em estúdio e fomos gravando, com muita espontaneidade. Ensaiamos tanto para as gravações, que quando o disco ficou pronto, o show estava pronto também. Tocamos em Londres, fizemos um show muito bonito no Queen Elizabeth Hall, e depois viemos para o Brasil. Os produtores ficaram muito chateados, fizeram tudo para que eu não deixasse Londres. Mas havia a chance de voltar, não pensei duas vezes. Foi o tempo de fazer as malas e voltar. Então, Transa nem foi lançado lá. As matrizes foram enviadas para a gravadora aqui, que o lançou. Esse disco marca a minha volta ao Brasil.

Cheguei aqui num dia e no outro já estava fazendo o show Transa, no Teatro João Caetano, que foi um grande sucesso. Fizemos durante uma semana no Rio, depois fizemos em São Paulo (no Tuca), Recife e Salvador. Chegamos aqui com tudo ensaiado. O show chamou a atenção pela qualidade dos arranjos e do som, realmente superior ao que se fazia em apresentações par aqui, naquela época. Era um show muito provocativo também.

Eu cantava Quero que vá tudo pro inferno, do Roberto Carlos, num andamento mais lento, e repetia o refrão inúmeras vezes. Eu ficava seis, sete, oito minutos repetindo: "que tudo mais vá pro inferno..." As pessoas iam ficando irritadas e em muitos lugares algumas se levantavam e iam embora. Em São Paulo, muita gente saia. Também cantava O que é que a baiana tem?, fazendo uns gestos minimalizados da Carmem Miranda. Para mim, Transa é um grande disco.

Algumas pessoas, depois de ouvi-lo, me disseram o seguinte: "Caetano, você ficou mais brasileiro porque estava fora, com saudade. Se tivesse continuado aqui, teria ficado mais rock'n"roll." Pode ser, não sei. Talvez se eu tivesse ficado aqui, não tivesse sido preso, nem deixado o país, a tendência seria mais o experimentalismo. com certeza teria feito um disco mais próximo do que vieram a fazer Walter Franco (já naquela época) e Arnaldo Antunes (até hoje): letras com poucas palavras, tendência que abraço no disco Araçá azul.


depoimento de Caetano Veloso a Charles Gavin r Luís Pimentel em TANTAS CANÇÕES (livro da Caixa TODO CAETANO 2002), pagg. 38. 43