Entre 1917 e 1928, a música popular brasileira vive um período de transição e modernização, ao qual se seguiria sua primeira grande fase. Marcado pela onda de renovação de costumes que impera no pós-guerra, é um período de formação de novos gêneros musicais e implantação de inventos tecnológicos relacionados com a área do lazer.

Assim, o fato mais importante que acontece à nossa música popular é o advento do samba e da marchinha, iniciando o ciclo da canção carnavalesca. Até 1917 não se fazia música para o carnaval. O sucesso nesse ano do samba "Pelo Telefone" despertou a atenção dos compositores, que passaram a fazer sambas e, logo em seguida, marchas carnavalescas. Em pouco tempo a moda pegou, criando o hábito dos foliões cantarem nos bailes.

Tendo o samba se tornado o principal gênero musical popular brasileird, é o seu sistematizador, José Barbosa da Silva, o Sinhô, o grande nome do período. Compositor nato, intuitivo, embora de parcos conhecimentos teóricos, ele deu forma ao samba, por meio de uma produção intensa que, melhorando a cada ano, contribuiu decisivamente para a cristalização do gênero. Já a marchinha evoluiu para a sua fixação através do trabalho de três outras grandes figuras da época, os compositores Eduardo Souto, Freire Júnior e José Francisco de Freitas.

Ao contrário do samba, um produto mestiço, resultante da fusão da me- lodia e harmonia européias com a rítmica afro-brasileira, a marchinha é uma descendente da polca-marcha, que incorpora algumas características das marchas portuguesas e de certos ritmos americanos, em moda na ocasião. Aliás, é um fenômeno marcante do pós-Grande Guerra a expansão avassaladora da música popular dos Estados Unidos, que passa a influenciar não apenas a música brasileira, mas a de todo o mundo ocidental. O nosso meio é então invadido por uma série de danças e gêneros musicais americanos, como o shimmy, o charleston, o black-bottom e, principalmente, o fox-trot - que vai inspirar, ainda nos anos vinte, o aparecimento dos primeiros foxes brasileiros.

Além dos citados, destacam-se no período 1917-1928 os compositores Pedro de Sá Pereira, Zequinha de Abreu, Américo Jacomino (Canhoto), o nosso conhecido Marcelo Tupinambá e os jovens Hekel Tavares e Pixinguinha - este, na época, já autor de "Rosa", "Sofres Porque Queres", "Um a Zero" etc. Na área do samba aparecem Caninha (Oscar José Luís de Morais), Careca (Luís Nunes Sampaio) e Donga (Ernesto dos Santos). Embora autores de apenas uma música de sucesso, merecem citação, pela importância de suas composições, os paulistas Erotides de Campos, Angelino de Oliveira e Alberto Marino.

Como na fase anterior, o período é pobre de letristas. A rigor, salvam-se somente Luís Peixoto, ainda iniciante e, num plano diferente, Sinhô que, mesmo não sendo poeta, desenvolve um estilo original e pitoresco, misturando versos ingênuos com imagens rebuscadas. Quanto aos demais, não passam de eventuais escrevinhadores de letras, sem qualquer criatividade. Há ainda uns poucos poetas, remanescentes de outras eras - como Catulo da Paixão Cearense - que assinam algumas canções. O preconceito então existente contra a música popular deve ser o responsável por essa carência de valores.

Com as empresas fonográficas entrando na onda da música americana, cai o número de gravações de bandas e conjuntos de choro, proliferando as das chamadas jazz-bands. Só na Casa Edison gravam a Jazz Band do Batalhão Naval, a Orquestra Ideal Jazz Band, a American Jazz Band Sílvio de Souza e, sobretudo, a Jazz Band Sul Americana de Romeu Silva. Em compensação, fazem sucesso fora do Brasil (França e Argentina) os Oito Batutas, conjunto organizado e dirigido por Pixinguinha, que assim inicia sua carreira de arranjador e chefe-de-orquestra, paralelamente à de instrumentista, que já exercia desde adolescente. Outro músico de muito sucesso é o já citado violonista Américo Jacomino (Canhoto), que fez dezenas de gravações.

Prenunciando uma fase de culto à voz, que atingiria o auge em todo o país nos anos trinta, aumenta a partir de 1927 a produção de discos cantados, que passam a superar por larga margem os instrumentais. O fato tem tudo a ver com a chegada neste ano ao Brasil do sistema eletromagnético de gravação do som, um dos grandes inventos tecnológicos do pós-guerra. Liberados das limitações da gravação mecânica, que os obrigava quase a gritar para registrarem suas vozes, os cantores podem agora cantar de forma mais natural, além de terem um som de muito melhor qualidade na reprodução das gravações.

Com isso cresce o numero dos ouvintes de disco e, naturalmente, a popularidade dos dois mais importantes cantores da época, Francisco Alves e Vicente Celestino. Alves, por exemplo, somente em 1928 grava 141 fonogramas, o equivalente a doze elepês, façanha que praticamente repete nos três anos seguintes. Atuando ao mesmo tempo na Odeon e Parlophon, grava tanto que, para variar, aparece na segunda com o pseudônimo de Chico Viola. Estreantes no disco, respectivamente em 1917 e 1920, Celestino e Alves desenvolveriam longas carreiras, prestigiadas pelos fãs até o final. Ainda se sobressaem no período o veterano Baiano, Fernando Albuquerque - que aparece nos discos só como Fernando -, Patrício Teixeira, Pedro Celestino, irmão de Vicente, e o paulista Paraguaçu. Por fim, entram em cena, em 1928, Mário Reis e Gastão Formenti, com imediata aceitação do público.

É na década de 1920 que o Brasil ganha, afinal, sua primeira grande cantora popular, a carioca Araci Cortes (Zilda de Carvalho Espíndola), projetada pelo teatro de revista, que na época reunia o que havia de melhor no meio artístico. Possuidora de voz aguda, cheia de musicalidade, mas de extensão reduzida, Araci sabia tirar partido de sua sensualidade e encanto pessoal para reinar no palco (principalmente) e no disco, chegando a influenciar cantoras da geração que se seguiu, como Carmen Miranda e Odete Amaral. A uma razoável distância de Araci, brilham também suas contemporâneas Zaíra de Oliveira e Otília Amorim, esta quase que exclusivamente no teatro.

Além da gravação elétrica do som, chegam ao Brasil nos anos vinte mais dois inventos muito importantes para a difusão da música: o rádio e o cinema falado. O rádio a 7 de setembro de 1922, numa transmissão histórica que inaugura a Exposição do Centenário da Independência; e o cinema falado, em 13 de abril de 1929, com a estréia no Cine Paramount, em São Paulo, do filme "Alta traição", o primeiro longa-metragem sonoro sincronizado a ser exibido no Brasil.

Ao terminar o ano de 1928, termina também esse período de transição em que as novidades do século XX passam a ditar os rumos de nossa música popular. Estávamos prontos para entrar em nossa primeira grande fase, a chamada Época de Ouro.