A música popular brasileira tem sua primeira grande fase no período 1929/ 1945. É a chamada Época de Ouro, em que se profissionaliza, vive uma de suas etapas mais férteis e estabelece padrões que vigorarão pelo resto do século.

A Época de Ouro originou-se da conjunção de três fatores: a renovação musical iniciada no período anterior com a criação do samba, da marchinha e de outros gêneros; a chegada ao Brasil do rádio, da gravação eletromagnética do som e do cinema falado; e, principalmente, a feliz coincidência do aparecimento de um considerável número de artistas talentosos numa mesma geração. Foi a necessidade de preenchimento dos quadros das diversas rádios e gravadoras surgidas na ocasião que propiciou o aproveitamento desses talentos.

Destacam-se na geração inicial do período os seguintes artistas:


COMPOSITORES E LETRISTAS: Ary Barroso, Noel Rosa, Lamartine Babo, João de Barro (Braguinha), Custódio Mesquita, Joubert de Carvalho, Assis Valente, Vadico (Osvaldo Gogliano), Ismael Silva, Alcebíades Barcelos, Armando Marçal, Antônio Nassara, Orestes Barbosa e Alberto Ribeiro;

CANTORES: Mário Reis, Sílvio Caldas, Gastão Formenti, Augusto Calheiros, Almirante (Henrique Foreis Domingues), Castro Barbosa, Carlos Galhardo, Moreira da Silva, Carmen e Aurora Miranda, Marina Batista, a dupla Joel e Gaúcho e o conjunto Bando da Lua;

MÚSICOS: Luís Americano (clarinete e sax-alto), Benedito Lacerda e Dante Santoro (flauta), Bonfiglio de Oliveira (trompete), Josué de Barros e Rogério Guimarães (violão), Luperce Miranda (bandolim), Radamés Gnattali, Gaó (Odmar Amaral Gurgel), Nonô (Romualdo Peixoto) e Carolina Cardoso de Menezes (piano) e Luciano Perrone (bateria).

Vindos do período anterior, juntam-se a esses artistas os cantores Francisco Alves, Vicente Celestino e Araci Cortes, os compositores Hekel Tavares e Cândido das Neves, os letristas Luís Peixoto e Olegário Mariano e o compositor, instrumentista e arranjador Pixinguinha (Alfredo da Rocha Viana Filho).

O primeiro artista a se destacar na Época de Ouro é o cantor Mário Reis. Aproveitando as vantagens oferecidas pela gravação eletromagnética, Mário criou um estilo coloquial para a interpretação da música popular, rompendo com a tradição do bel-canto italiano, que imperava até então. Com isso simplificou nossa maneira de cantar, que se tornou mais natural, mais espontânea. Sua atuação foi tão importante, que se pode dividir a história do canto popular no Brasil em duas partes: antes e depois de Mário Reis.

O início dos anos trinta é marcado pelo processo de cristalização e expansão do samba e da marchinha. Livre da herança do maxixe, através de modificações realizadas pelos fundadores da primeira escola de samba — a chamada Turma do Estácio o samba torna-se, no período 1931-1940, o nosso gênero mais gravado, ocupando 32,45% do repertorio registrado em disco (2176 sambas em um total de 6706 composições). Menor, mas também expressivo, é o numero de marchinhas (1225) que, somado ao dos sambas, atinge o total de 3401 fonogramas, ou seja 50,71% do repertorio gravado.

Desempenham papel importante no desenvolvimento desses gêneros os compositores Noel Rosa, Lamartine Babo e João de Barro. Noel, que revolucionou a poética de nossa música popular, usou preferencialmente o samba em sua obra. Possuidor de uma prodigiosa capacidade para compor versos e melodias, ele deixou, em apenas sete anos de atividade, mais de 25O composições, das quais cerca de 60% são sambas. Já Lamartine e João de Barro podem ser considerados como os fixadores da marchinha.

Ainda na fase inicial da Época de Ouro, destacam-se os trabalhos de dois arranjadores — Pixinguinha e Radamés Gnattali — que, consagrados como instrumentistas e compositores, entram também para a història como criadores de padrões de orquestração para a música popular brasileira.

A partir do sucesso do filme "A Voz do Carnaval", lançado em 1933, desencadeia-se no cinema brasileiro o ciclo da comédia musical, que reinaria por mais de vinte anos. Um lucrativo negócio, esses filmes tinham como chamariz a apresentação na tela de nossos cantores populares, na maioria das vezes interpretando música carnavalesca. Não existindo na época a televisão, o cinema era o veiculo ideal para mostrar a imagem desses cantores, conhecida pelo grande público somente através de fotografias publicadas na imprensa.

O cinema nacional contribuiu ainda para a consolidação do prestígio, alcançado no radio e no disco, da cantora Carmen Miranda, a mais importante figura feminina da Época de Ouro. Dona de um estilo personalíssimo de cantar, ao mesmo tempo ingènuo, malicioso, brejeiro e sensual, Carmen soube explorar ao maximo não apenas a voz, mas seu carisma, sua capacidade de fascinar pessoas. Isso lhe permitiu desenvolver uma carreira vitoriosa que, no espaço de dez anos, transformou-a em estrela internacional.

Em sua segunda metade, a Época de Ouro vive sua fase mais importante, especialmente entre os anos de 1937 e 1942, quando os talentos revelados no começo da década atingem o auge de suas carreiras e recebem o reforço de um contingente de valores ainda mais numeroso.

Destacam-se nesse novo grupo os seguintes artistas:

COMPOSITORES E LETRISTAS: Ataúlfo Alves, Dorival Caymmi, Wilson Batista, Herivelto Martins, Geraldo Pereira, J. Cascata (Álvaro Nunes), Roberto Martins, Mário Lago, Lupicínio Rodrigues, Pedro Caetano, Alcir Pires Vermelho, Haroldo Lobo, Marino Pinto, David Nasser, Roberto Roberti, Jorge Faraj, Cristóvão de Alencar, Newton Teixeira e Arlindo Marques Júnior;

CANTORES: Ciro Monteiro, Déo (Ferjalla Rizkalla), Ademilde Fonseca, Araci de Almeida, Carmen Costa, Dalva de Oliveira, Linda e Dircinha Batista, Gilberto Alves, Isaura Garcia, Jorge Veiga, Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Odete Amaral, Roberto Paiva, o Trio de Ouro e os conjuntos Anjos do Inferno e Quatro Ases e um Coringa;

MÚSICOS: Garoto (Aníbal Augusto Sardinha) e José Menezes (varios instrumentos de cordas dedilhadas), Horondino Silva (Mestre Dino), Jaime Florence (Meira), Laurindo de Almeida, Claudionor Cruz e Dilermando Reis (violão), Jacó do Bandolim (Jacó Bittencourt), K-Ximbinho (Sebastião Barros) e Severino Araújo (clarinete), Abel Ferreira (clarinete e sax-alto), Nicolino Copia (flauta, clarinete e sax-alto), Raul de Barros (trombone), Fats Elpidio (Elpidio Pessoa, piano), Luiz Gonzaga (acordeão) e Edu da Gaita (Eduardo Nadruz).

É nessa fase que se desenvolve no país um acentuado culto a voz, reflexo, talvez, do retumbante sucesso do cantor Orlando Silva, que em poucos anos de atividade se tornaria o primeiro ídolo de massa produzido pela MPB. Orlando possuía uma voz privilegiada em timbre, tessitura e afinação, que, aliada a uma extraordinária sensibilidade, permitia-lhe interpretar com perfeição os mais variados gêneros. Durou pouco, entretanto, essa fase de sua carreira. Em consequência de uma vida desregrada, logo perdeu a excepcionalidade da voz, declinando para sempre o seu prestigio. Ao lado de Orlando Silva, brilham também no período os cantores Francisco Alves, Sílvio Caldas e Carlos Galhardo, chamados pela imprensa de "Os Quatro Grandes".

Representando o auge de um processo de refinamento do samba, empreendido por Ary Barroso, é lançada, em 1939, "Aquarela do Brasil". Caracterizada por um ufanismo exagerado, que romanticamente exaltava as belezas e grandezas do Brasil, a composição vinha ao encontro dos interesses do Estado Novo, ganhando assim o apoio e a simpatia oficiais. Por seu sucesso, "Aquarela do Brasil" acabou estimulando o aparecimento de um novo tipo de samba, o chamado samba-exaltação.

Entra em cena, ainda em 1939, o compositor-cantor Dorival Caymmi. E o faz de forma excepcional, lançado simultaneamente no cinema, no rádio e no disco pela estrela Carmen Miranda, cantando o seu samba "O que é que a baiana tem". Autor de obra originalíssima, ligada aos encantos e mistérios de seu estado, o baiano Caymmi seria uma das figuras que mais iriam se sobressair no final da Época de Ouro.

Ao chegarem os anos quarenta, ressalta-se a atuação de quatro sambistas — Ataúlfo Alves, Wilson Batista, Herivelto Martins e o então novato Geraldo Pereira —, autores de algumas das melhores composições do gênero nessa fase, como "Ai, Que Saudades da Amelia" (Ataúlfo e Mário Lago), "Emilia" (Wilson e Haroldo Lobo), "Praça Onze" (Herivelto e Grande Otelo) e "Falsa Baiana" (Geraldo Pereira).

Marcando o final da segunda Grande Guerra e, entre nos, da ditadura do Estado Novo, o ano de 1945 marca também o final da Época de Ouro. Isso acontece em razão do declínio da maioria dos artistas que pertenciam geração de trinta, refletido em seus trabalhos por uma insistência no uso de formulas já esgotadas. Por outro lado, não há na ocasião uma renovação de valores à altura dos que começavam a sair de cena. Iniciava-se, então, a era do baião e do pre-bossanovismo que levaria a MPB à modernidade