INTRODUÇÃO

A segunda grande fase da música popular brasileira começa com o surgimento da bossa nova, em 1958, e se estende ao final da era dos festivais, em 1972, passando pelo tropicalismo e outras tendências. É uma fase de renovação e modernização, que introduz novos estilos de composição, harmonização e interpretação, determinando uma apreciável mudança na linha evolutiva de nossa canção.

Isso aconteceu em razão da presença no período de uma numerosa e talentosa geração de artistas que, do ponto de vista cronológico, pode ser dividida em dois escalões. O primeiro, liderado pelo compositor, pianista e arranjador Antônio Carlos Jobim, o poeta Vinicius de Moraes e o cantor-violonista João Gilberto, constitui a turma da bossa nova que, ao criar o movimento, detonou o processo renovador. Destacam-se ainda entre os bossanovistas compositores como Carlos Lira, Roberto Menescal e Newton Mendonça, o letrista Ronaldo Boscoli, as cantoras Sílvia Teles e Nara Leão, e músicos/compositores como João Donato, Baden Powell e Eumir Deodato. Vindos do período anterior, como os líderes do movimento, integram também a bossa nova figuras como Johnny Alf, Agostinho dos Santos, Lúcio Alves, Dick Farney e o conjunto Os Cariocas.

A fase de maior evidência da bossa nova esgota-se nos últimos meses de 1962, quando acontecem o espetáculo "Encontro", o único a reunir num palco o trio Jobim-Vinicius-Gilberto, e o legendário show do Carnegie Hall, em Nova York. A partir do ano seguinte, seus personagens procuram novos caminhos. Tom e Vinícius deixam de compor juntos, com o primeiro iniciando uma carreira internacional e o segundo passando a trabalhar com outros parceiros, João Gilberto fixa-se nos Estados Unidos, enquanto Carlos Lira prefere imprimir as suas composições um sentido mais político.

Na ocasião, porém, a bossa nova já havia aberto as portas do sucesso à segunda leva de artistas do período que, entrando em cena a partir de 1964, quase ao mesmo tempo que os festivais da televisão, pode ser chamada de A turma dos festivais. Igualmente talentosos, os componentes desta turma são deptos fervorosos dos princípios bossanovistas, idolatram os seus criadores e realizam ã sua maneira uma continuação do movimento. Sobressaem-se no grupo compositores como Chico Buarque, Edu Lobo, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, as cantoras Elis Regina, Maria Bethânia, Nana Caymmi, Gal Costa e um grande número de letristas e músicos-compositores. Aliás, é marcante nesses anos de sofisticação da música brasileira a participação de um contingente de notáveis instrumentistas como Antônio Adolfo, Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal, Rosinha de Valença, Maurício Einhorn, Heraldo do Monte, César Camargo Mariano, Luís Eça e Dori Caymmi, vários deles vindos da bossa nova. No final do período surgem ainda valores como Ivan Lins, João Bosco, Luiz Gonzaga Júnior, Paulo César Pinheiro e Aldir Blanc.

Durante oito anos, esses artistas praticamente monopolizaram as principais colocações nos festivais da televisão que, além de lhes proporcionar a oportunidade de se tornarem conhecidos no momento em que se iniciavam profissionalmente, foram de inestimável ajuda para a consolidação de suas carreiras. Em 1967/68, componentes da ala baiana dessa geração — Caetano, Gil, Tom Zé, Capinan, mais o piauiense Torquato Neto, liderados pelos dois primeiros - lançaram a tropicália, ou tropicalismo, um movimento poético-musical de vanguarda que, mesmo sendo de duração efêmera, causou grande agitação cultural e exerceu influência na obra de vários compositores, alguns até surgidos anos depois como Arrigo Barnabé e Eduardo Dusek. Em que pese a importância da bossa nova e do tropicalismo, foram os citados festivais que ficaram na memória do povo como a marca mais forte do período.

No setor do samba houve um movimento de revalorização, resultante de reuniões de sambistas iniciadas no restaurante Zicartola e desdobradas em bem-sucedidos espetáculos como "Opinião" e "Rosa de Ouro". Desses empreendimentos resultou o aparecimento de uma valorosa geração de compositores ligados a escolas de samba, além do reconhecimento, embora tardio, dos mestres Cartola e Nelson Cavaquinho. Pertencem a esta geração nomes como Paulinho da Viola, Élton Medeiros e Candeia, aos quais se acrescentam os de Zé Kéti, vindo da década anterior, e Martinho da Vila, surgido em seguida. Também nessa área se fazem notar a partideira Clementina de Jesus, descoberta por Hermínio Bello de Carvalho, e as cantoras Elza Soares, Clara Nunes e Beth Carvalho.

Ainda a respeito de samba, registra-se o aparecimento, paralelamente ao início da bossa nova, de um tipo de composição conhecida como sambalanço ou samba moderno - um meio termo entre a bossa e o tradicional -, cultivada por cantores e compositores como Miltinho (Milton Santos de Almeida), Dóris Monteiro, Luís Bandeira, Luís Antônio, Luís Reis e o baterista Jadir de Castro, que criou uma variante do gênero, o chamado samba fantástico.

Ao mesmo tempo em que esses fatos revolucionavam a MPB, aconteceu na área da música pop o crescimento do rock, numa forma aqui denominada de iê-iê-iê, o que originaria o fenômeno Jovem Guarda. Popularizado a partir do final da década de 1950 pelos pioneiros Sérgio Murilo, Tony e Celly Campelo, entre outros, o prestígio do iê-iê-iê atingiu o auge no triênio 1965/67. Estes anos corresponderiam à duração de um programa de televisão - comandado pelo cantor-compositor Roberto Carlos, coadjuvado pelo parceiro Erasmo Carlos e a cantora Wanderléa - que daria nome ao movimento e seria o seu principal divulgador. Sustentada pelo entusiasmo de milhares de admiradores, adolescentes na maioria, que fizeram de Roberto Carlos o seu ídolo, a Jovem Guarda consagrou um numeroso grupo de artistas, cujas carreiras não resistiram ao declínio do iê-iê-iê.

Uma outra vertente do pop nacional, mais próxima do rock inglês, seria apresentada pelo conjunto Os Mutantes, dos irmãos Sérgio e Arnaldo Baptista e a cantora-compositora Rita Lee, que na década seguinte optou por uma carreira solo e se tornou a nossa principal estrela pop. Já no apagar das luzes do período surgiram os soulmen Tim Maia e Luiz Melodia, de grande presença nos anos seguintes.

O período 1958/1972 assistiu ainda ao final da canção carnavalesca tradicional. Com as gravadoras se desinteressando por este tipo de música, à medida que aumentavam os custos da produção fonográfica, a marchinha e o samba de carnaval praticamente desapareceram durante os anos sessenta, substituídos pelo samba-enredo das escolas de samba.

Um segmento da música popular que ganhou forte impulso nessa época, tornando-se uma das maiores fontes de lucro das gravadoras, foi o da canção sentimental popularesca, depreciativamente chamada de brega-romântico. Dos consagrados Nelson Gonçalves, Angela Maria e Cauby Peixoto, com presença também em outras áreas, ao simplório sertanejo Teixeirinha (Vítor Mateus Teixeira), engrossam a relação dos especialistas no gênero Anísio Silva, Altemar Dutra, Orlando Dias e muitos outros.

Competindo com as novidades do período, mantiveram-se em evidência vários cantores, músicos e compositores vindos de épocas anteriores, que assim reafirmavam sua competência e prestígio popular. Entre esses artistas, das mais variadas tendências, se destacariam figuras como Adoniran Barbosa, Dalva de Oliveira, Dorival Caymmi, Elizeth Cardoso, Jamelão e Roberto Silva, além dos citados Nelson, Angela e Cauby.

No setor da tecnologia foi completada a implantação do sistema estereofônico de gravação e reprodução do som, ao mesmo tempo em que se difundia o uso dos gravadores caseiros de fita magnética, preferencialmente o cassete, então recém-inventado, e se aposentava para sempre o disco de 78 rotações. Já a televisão se expandiria de forma avassaladora, obrigando o rádio a se contentar com o esquema de música (gravada), esporte e notícia para sobreviver.

Em 1972, com o final do grande ciclo de festivais musicais da televisão, pode-se considerar encerrada esta fase de nossa música popular, a mais importante do século vinte, ao lado da chamada Época de Ouro (de 1929 a 1945). Mesmo levando-se em consideração o incontestável sucesso internacional de algumas de nossas composições anteriores a 1950 ("Aquarela do Brasil", "Tico-Tico no Fubá", "Na Baixa do Sapateiro", "Mamãe Eu Quero"), foi com a obra da geração consagrada nos anos sessenta que a música popular brasileira conquistou a admiração e o respeito de todo o mundo por sua criatividade e acabamento profissional.