Onde nasci passa um rio

Show "Rosa dos Ventos", Teatro da Praia, Rio de Janeiro, 27/07/1971

Onde eu nasci passa um rio
Que passa no igual sem fim
Igual sem fim minha terra
Passava dentro de mim
 
Passava como se o tempo
Nada pudesse mudar
Passava como se o rio
Não desaguasse no mar
 
O rio deságua no mar
Já tanta coisa aprendi
Mas o que é mais meu cantar
É isso que eu canto aqui
 
Hoje eu sei que o mundo é grande
E o mar de ondas se faz
Mas nasceu junto com o rio
O canto que eu canto mais
 
O rio só chega no mar
Depois de andar pelo chão
O rio da minha terra
Deságua em meu coração


© Editora Arlequim


NOTE:
A graça está mais na melodia, que é muito parecida com a de “Upa neguinho”, do Edu Lobo. Eu fiz a música quando estava morando na Bahia e, mais tarde, quando estava em São Paulo, mostrei-a ao Edu e à turma do Zumbi1 . A peça ainda não tinha estreado, eles estavam ensaiando e as músicas eram completamente desconhecidas. Cantei para eles e todo mundo disse: “Parece ‘Upa neguinho’, a música da peça!”. Quando se canta uma e outra, percebe-se a semelhança: “Upa neguinho na estrada, upa pra lá e pra cá...”, “Onde eu nasci passa um rio, que passa no igual sem firn.. ” Mas a melodia de ambas também se parece muito com um baião de Luiz Gonzaga: “Helena, traga a sanfona.. ”

1. Marco da modernização do teatro brasileiro, o musical Arena conta Zumbi (1965), montagem de Augusto Boal, diretor do grupo paulista Arena, tinha música de Edu Lobo e texto de Gianfrancesco Guarnieri. Caetano fala de suas impressões sobre o espetáculo em Verdade tropical (op. cit., no capítulo “Bethània e Ray Charles”).
[Caetano Veloso, Sobre as letras, Editora Schwarcz, São Paulo, 2003]