Um dia

Como um dia, numa festa
Realçavas a manhã
Luz de sol, janela aberta
Festa e verde o teu olhar

Pé de avenca na janela
Brisa verde, verdejar
Vê se alegra tudo agora
Vê se pára de chorar

Abre os olhos, mostra o riso
Quero, careço, preciso
De ver você se alegrar

Eu não estou indo-me embora
Estou só preparando a hora de voltar

No rastro do meu caminho
No brilho longo dos trilhos
Na correnteza do rio
Vou voltando pra você

Na resistência do tempo
No tempo que vou e espero
No braço, no pensamento
Vou voltando pra você

No raso da Catarina
Nas águas de Amaralina
Na calma da calmaria
Longe do mar da Bahia
Limite da minha vida
Vou voltando pra você

Vou voltando, como um dia
Realçavas a manhã
Entre avencas, verde-brisa
Tu de novo sorrirás

E eu te direi que um dia
As estrelas voltarão
Voltarão trazendo todos
Para a festa do lugar

Abre os olhos, mostra o riso
Quero, careço, preciso
De ver você se alegrar

Eu não estou indo-me embora
Estou só preparando a hora de voltar


© Editora Arlequim


NOTE:
É sobre querer voltar para Salvador.1 Quando compus os versos “no rastro do meu caminho/ no brilho longo dos trilhos/ na correnteza do rio/ vou voltando pra você”,2 eles ecoavam, para mim, a letra lusitana escrita para “Mãe Preta”, que é o “Barco negro”,3 que fala “no vento que lança areia nos vidros, na água que canta, no fogo mortiço, no calor do leito, nos barcos vazios, dentro do meu peito estás sempre comigo”.

1. Ver nota 8.
2. A canção recebeu, em 1966, o prêmio de melhor letra no Festival de Música Popular Brasileira, da tv Record, de São Paulo.
3. “Barco negro” é a versão do poeta português David Mourão-ferreira para a música de Caco Velho e Piratini. Apareceu pela primeira vez no filme Os amantes do Tejo, de Henri Verneuil, produção francesa rodada em Lisboa e Paris, com Daniel Gélin e Trevor Howard. No filme, Amália Rodrigues interpreta um pequeno papel e canta, além de “Barco negro”, “Canção do mar”
[Caetano Veloso, Sobre as letras, Editora Schwarcz, São Paulo, 2003]