Enquanto seu lobo não vem

Vamos passear na floresta escondida, meu amor
Vamos passear na avenida
Vamos passear nas veredas, no alto meu amor
Há uma cordilheira sob o asfalto

(Os clarins da banda militar…)
A Estação Primeira da Mangueira passa em ruas largas
(Os clarins da banda militar…)
Passa por debaixo da Avenida Presidente Vargas
(Os clarins da banda militar…)
Presidente Vargas, Presidente Vargas, Presidente Vargas
(Os clarins da banda militar…)

Vamos passear nos Estados Unidos do Brasil
Vamos passear escondidos
Vamos desfilar pela rua onde Mangueira passou
Vamos por debaixo das ruas

(Os clarins da banda militar…)
Debaixo das bombas, das bandeiras
(Os clarins da banda militar…)
Debaixo das botas
(Os clarins da banda militar…)
Debaixo das rosas, dos jardins
(Os clarins da banda militar…)
Debaixo da lama
(Os clarins da banda militar…)
Debaixo da cama


© Warner Chappell Edições Musicais

NOTE:
Uma música muito politica, do periodo tropicalista. É uma incitação às passeatas de protesto — “vamos passear, vamos passear na avenida” — e o verso “há uma cordilheira sob o asfalto” sugere a guerrilha, por causa de Sierra Maestra e de Che Guevara ter saido para a Bolivia. Presidente Vargas é invocado aos brados! Apesar do forte conteúdo político, os censores deixaram-na passar, porque não entenderam nada. No arranjo, Rogério Duprat1 colocou a primeira frase do hino da Internacional Comunista, e ainda há um coro que repete “os clarins da banda militar”, que vem de “Dora”, a canção de Dorival Caymmi, que aqui remete à presença dos militares. Tudo isso junto explicitava ainda mais o conteúdo político da canção, mas a censura não entendeu. Aliás, a esquerda também não entendeu direito, ninguém entendeu muito bem, e quem entendeu fingiu que não.

1. Rogério Duprat (Rio, Rio de Janeiro, 1932) é regente, arranjador e compositor. Radicado em São Paulo, fundou, em 1956, a Orquestra de Càmara de São Paulo. Em 1961, passou a integrar o movimento de vanguarda erudita Música Nova, em São Paulo. No ano seguinte, aprofundou seus estudos na Europa com Pierre Boulez e Stockhausen. Responsável pela maioria dos arranjos para o histórico LP Tropicália ou Panis et Circencis, foi também o arranjador dos principais discos dos Mutantes.
[Caetano Veloso, Sobre as letras, Editora Schwarcz, São Paulo, 2003]

metaforizza l'era delle "passeatas" (marce collettive di protesta) sotto il tallone della dittatura